A Corte Interamericana
de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), em San José
(Costa Rica), começa nesta quinta-feira seu primeiro julgamento sobre trabalho
escravo. O caso em questão é o da Fazenda Brasil Verde, no Pará, acusada de
manter cerca de 340 pessoas em condições análogas à de escravo entre 1988 e
2000. Como se trata de uma análise inédita, a decisão vai balizar futuras ações
sobre o tema.
Exigência por medidas
Exigência por medidas
A Corte poderá condenar
o governo brasileiro a ressarcir os trabalhadores e a adotar medidas e leis
para prevenir casos como esses. O Brasil é criticado por não ter havido
condenação penal dos proprietários de fazendas e indústrias que submeteram seus
trabalhadores a formas degradantes de trabalho.
— É impressionante que
esta situação continue a ocorrer no Brasil. Vemos pouca ação do governo para
prevenir estes casos, mesmo quando olhamos que foram libertados mais de 51 mil
trabalhadores em condições análogas à de escravos (desde 1995). Interesses
econômicos e políticos impedem a efetiva condenação dos fazendeiros. Quem
escravizou no Brasil nos últimos anos não foi para atrás das grades — afirma
Viviana Krsticevic, diretora do Centro pela Justiça e Direito Internacional
(Cejil), de Washington, que representa o interesse dos trabalhadores neste caso
e fez a denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, juntamente com
a Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Segundo o frei Xavier
Plassat, coordenador nacional da campanha “De olho aberto para não virar
escravo”, da CPT, o caso da Fazenda Brasil Verde é emblemático da omissão do
Estado brasileiro na punição dos infratores:
— De 1989 a 2000, 343
trabalhadores foram libertados da fazenda, e os culpados não foram minimamente
responsabilizados em ação penal. Os dirigentes da fazenda foram acionados em
1997. Houve conflito de competência e prescrição. Os trabalhadores também não
receberam qualquer reparação pelos danos que sofreram.
Os responsáveis pela Fazenda Brasil Verde, procurados, disseram que não iriam se manifestar sobre o caso.
Os responsáveis pela Fazenda Brasil Verde, procurados, disseram que não iriam se manifestar sobre o caso.
O diretor do
Departamento Internacional da Procuradoria-Geral da União, Boni Soares, que
está em San José para defender o Brasil, diz que o país já reconheceu
internacionalmente que existe trabalho escravo em seu território e que tem
política pública de combate a esse tipo de violação aos direitos humanos há
décadas:
— Temos política
pública de combate ao trabalho escravo reconhecida internacionalmente desde
1995. Uma política de estado que atravessou governos.
Ele afirma que a defesa
brasileira vai se basear em relatórios de fiscalização feitos na Fazenda Brasil
Verde após 1998, quando o Brasil aceitou se submeter às decisões da Corte.
Nesses relatórios, segundo Soares, não há provas de trabalhadores submetidos à
servidão por dívida, escravidão ou trabalho forçado:
— Reconhecemos que há
trabalho escravo e trabalhamos incessantemente para erradicar, mas não há
provas no caso específico — afirmou Soares.
Ameaças à erradicação
Plassat, da Comissão
Pastoral da Terra, reconhece os esforços para erradicar o trabalho escravo no
Brasil, mas chama a atenção para as ameaças a esse objetivo: a proibição pelo
Supremo Tribunal Federal de que o Ministério do Trabalho publique os nomes dos empregadores
que foram condenados administrativamente por usar trabalho escravo, a falta de
auditores fiscais para vistoriar as empresas e a tentativa no Congresso de
descaracterizar o trabalho análogo ao de escravo, excluindo as jornadas
exaustivas e as condições degradantes do conceito usado atualmente para
classificar trabalho escravo:
—Não temos nenhum prazer de ver o estado brasileiro ser condenado. Mas as conquistas estão sendo ameaçadas: faltam fiscais e querem desmantelar o conceito de trabalho escravo. Não podemos retroceder e sermos os maus alunos da comunidade internacional.
Hoje e amanhã ocorrerão as audiências públicas, transmitidas via internet, que vão orientar o julgamento da Corte. Contudo, as partes ainda terão mais um prazo para apresentar novas defesas e acusações por escrito, e a sentença deve ser conhecida em seis ou sete meses.
—Não temos nenhum prazer de ver o estado brasileiro ser condenado. Mas as conquistas estão sendo ameaçadas: faltam fiscais e querem desmantelar o conceito de trabalho escravo. Não podemos retroceder e sermos os maus alunos da comunidade internacional.
Hoje e amanhã ocorrerão as audiências públicas, transmitidas via internet, que vão orientar o julgamento da Corte. Contudo, as partes ainda terão mais um prazo para apresentar novas defesas e acusações por escrito, e a sentença deve ser conhecida em seis ou sete meses.
Viviana Krsticevic
afirma que o caso é muito importante. De acordo com estimativas da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), ainda há cerca de 21 milhões de pessoas em
condições análogas às de escravidão no mundo. No caso da Fazenda Brasil Verde,
segundo a denúncia, havia desde más condições de trabalho, servidão por dívida
e até denúncias mais graves, de confinamento, tráfico de pessoas e o
desaparecimento de ao menos dois trabalhadores:
— Esperamos uma
condenação exemplar, que sirva de norte para os casos futuros e para dar
dignidade aos trabalhadores. Lei Maria da Penha.
A Corte é a segunda
instância dos Direitos Humanos no continente. Os casos começam na Comissão
Interamericana de Direitos Humanos da OEA, com sede em Washington (EUA) e então
seguem para San José, se houver condenação na primeira fase. Os governos tentam
acordos para evitar o constrangimento das condenações. Um destes acordos levou
o Brasil a se comprometer com uma série de mudanças legais contra a violência
contra a mulher, que se tornaram a Lei Maria da Penha, e é considerado um dos
principais casos de sucesso do sistema interamericano de direitos humanos.
Os membros da comissão não podem se manifestar sobre o processo, mas fontes da Corte confirmam que o caso é histórico. Uma determinação forte sobre medidas que deverão ser adotadas pelo Brasil poderá ser um indicativo de novas leis no continente e no mundo.
Os membros da comissão não podem se manifestar sobre o processo, mas fontes da Corte confirmam que o caso é histórico. Uma determinação forte sobre medidas que deverão ser adotadas pelo Brasil poderá ser um indicativo de novas leis no continente e no mundo.
— Os países precisam
criar formas de evitar esta atrocidade em pleno século XXI. Não adianta só
libertar os trabalhadores depois que eles foram escravizados — afirmou Viviana.
O Globo
O Globo
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