Para João Carlos
Gonçalves (Juruna), da Força Sindical, o governo atual é muito tecnicista e
deveria ouvir mais os movimentos sociais
O SECRETÁRIO-GERAL da Força Sindical, João Carlos Gonçalves (Juruna), acredita que os efeitos da crise mundial, observados nos outros países, atingiu parcialmente o Brasil desde 2008. Segundo ele, o país ainda não superou a crise e os trabalhadores devem sempre estar com essa preocupação. “As centrais sindicais devem buscar o máximo de unidade na ação para um enfrentamento às medidas negativas que o governo possa tomar”, afirma Juruna.
Em entrevista ao Brasil
de Fato, Juruna fala sobre as soluções que o governo buscou, junto com o
movimento social, no sentido de garantir emprego e gerar renda. Segundo ele, no
governo Lula foram apresentadas propostas unitárias e no governo Dilma também,
que abrangem não só questões salariais, mas propostas para o desenvolvimento
para o país. Mas ressalta que o diálogo com o governo Dilma tem sido
prejudicado.
“É importante manter
sempre o diálogo, tanto com os empresários, quanto com os trabalhadores e seus
representantes para que a gente possa avançar com maior harmonia em nosso
país”.
Brasil
de Fato – O mundo vive hoje uma grave crise financeira. Que avaliação você faz
deste cenário sob o ponto de vista da classe trabalhadora?
João Carlos Gonçalves
(Juruna) – Nós temos vivido esse cenário desde 2008. Eu creio que hoje,
quando se fala em crise na Europa, na realidade que nós podemos dizer assim: se
lá tivesse crescimento, aqui teríamos mais crescimento. Porque as coisas são
tão interligadas do ponto de vista da produção, da construção industrial, do
ponto de vista das nossas riquezas, como o minério, petróleo, agricultura. Tudo
é exportado também. Então, existe uma relação muito forte entre os
países. Nosso crescimento poderia ter sido melhor. Por outro lado, eles estão
buscando soluções para suas crises. As soluções que eles estão buscando não são
boas para os trabalhadores de lá, e com certeza, já é uma experiência negativa
que pode chegar a países que ainda não estão fortemente atingidos por essa
crise.
A gente estava com uma
taxa de juros muito alta, então nós temos margem para diminuí-la. As soluções
que o governo buscou, junto com o movimento social, levaram o nosso mercado
interno a manter a produção.
As medidas que o
governo federal tem tomado são suficientes para garantir o emprego, a produção
nacional e assegurar que o Brasil não sofra mais com essa crise mundial?
Eu sinto que nós temos
margem para isso. O governo começou a diminuir os juros. Isso é positivo. O
governo apostou no aumento do salário mínimo; isso aumenta a renda dos
aposentados, aumenta a renda de milhões de pessoas que não são atingidas pelas
campanhas salariais. Além disso, o salário mínimo empurrou também os pisos
salariais, que subiram. elhorou a renda de milhões de trabalhadores e
trabalhadoras do país. Melhorou o crédito também. Aumentou o crédito da linha
branca, crédito para os carros, facilitou o crédito para o serviço da
construção civil, diminuindo o IPI de vários produtos etc.O Brasil é um país que
está se reconstruindo, com ferrovias, estradas, portos e aeroportos. O governo
está fazendo um investimento muito forte em infraestrutura.
Você
acredita que essas medidas são suficientes para evitar um agravamento do
cenário nacional e atingir em cheio principalmente os trabalhadores?
Eu creio que sim. Os
efeitos estão sendo observados nos outros países . Nós ainda não superamos a
crise. Eu acho que os trabalhadores devem sempre estar com essa preocupação. As
centrais sindicais devem buscar o máximo de unidade na ação para um
enfrentamento às medidas negativas que o governo possa tomar. Até hoje nós não
temos visto solução negativa do governo contra os trabalhadores, a não ser essa
negociação difícil em relação aos servidores públicos.
E
por falar em governo, como tem sido a avaliação da Força Sindical em relação ao
governo federal?
Do ponto de vista econômico,
97% dos acordos salariais do ano passado foram acima da infl ação ou beirando a
infl ação. Todos tiveram ganhos reais. Esse é um saldo positivo. Outro saldo
positivo foi o acordo que as centrais sindicais fizeram com o governo em
relação ao salário mínimo, para manter sempre um reajuste acima da infl ação.
São dados positivos que têm melhorado o nosso mercado interno. Mas eu acredito
que temos muito a avançar. Por exemplo, na questão do saneamento básico,
moradia, educação. O quadro de modo geral tem melhorado, mas eu sinto que, do
ponto de vista da estrutura do nosso país, precisamos ainda continuar batendo
para que esses investimentos sejam incorporados na vida real, com maior
efetividade. Eu tenho avaliado que esse período foi de muita negociação. Seja
de negociação nas campanhas salariais, seja de negociações com o governo.
Principalmente com o governo Lula. Com o governo Dilma, eu sinto que houve uma
certa modifi cação. Eu acho que os instrumentos que o governo Lula criou – como
o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e a Câmara Setorial – no
governo Dilma ficou um pouco aquém do anterior. O governo atual parece muito
tecnicista. Talvez tenha até seus motivos por conta da preocupação com a crise,
mas ela deveria ouvir os movimentos sociais e abrir mais o diálogo.
Você
sente que houve mudança de comportamento do atual governo com o movimento
sindical?
Nós sentimos isso.
Talvez pelo traquejo dela, talvez pela maneira dela ser. Mas eu acho que pelo
fato de ela ter assumido um cargo político ela tem de ser política. Dilma
precisa ouvir mais, dialogar mais com a sociedade. Não precisa e não deve ser
tão durona em relação a certas questões. É importante manter sempre o diálogo,
tanto com os empresários, quanto com os trabalhadores e seus representantes
para que a gente possa avançar com maior harmonia em nosso país.
E
como você avalia as perspectivas de soluções desses graves problemas do povo
brasileiro, como saúde, educação, moradia?
Eu sinto que o
movimento sindical amadureceu muito. Até os anos de 1980, 1990 eram muitos
conflitos entre as centrais, com questões mais ideológicas, culturais. Nós
conseguimos amadurecer, não só com ações unitárias como também produzimos
documentos unitários com propostas. No governo Lula nós já apresentamos
propostas unitárias, e no governo Dilma também. E essas propostas abrangem não
só questões salariais, mas propostas para o desenvolvimento para o país. Eu
acho que isso amadureceu também os trabalhadores no sentido de não pensarem só
na corporação na melhoria de sua categoria. Apresentamos propostas para em
relação à microestrutura, questões econômicas, redução da taxa de juros,
investimento na infraestrutura, na questão da saúde e da educação, que são
temas importantes para o nosso povo. Então, trabalhamos com propostas
importantes para a sociedade e não só para os trabalhadores. Investimento em
saúde, educação, saneamento com certeza é bom não só para os trabalhadores, mas
para toda a sociedade. E são questões que o nosso país ainda está por fazer. Na
Europa está pronto. Mas em nosso país, ainda não. São soluções que podem gerar
emprego e fazer com que haja um crescimento também.
Recentemente
as centrais sindicais se juntaram aos empresários em defesa da indústria
nacional. Você acha que essa é uma saída? Houve avanço nesta questão?
Além das centrais
trabalharem de forma unitária, elas foram capazes também de buscar segmentos do
setor empresarial para fixar bandeiras que sejam de interesses do nosso país.
Por exemplo, nós temos alguns portos no nosso país que estavam fazendo com que
produtos entrassem sem a cobrança do IPI. Não é uma decisão de governo federal,
mas uma questão legalizada em estados. Então foram feitas várias manifestações
no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Bahia – colocamos mais de 100
mil pessoas nas ruas, como aqui em São Paulo – para chamar atenção destas
questões. Essas manifestações fi zeram com que o governo ficasse mais atento.
Essa entrada de produtos com IPIs reduzidos na entrada dos portos acabavam prejudicando aquilo que é produzido aqui. Então eu vejo que o governo tem tomado medidas em relação ao IPI, ao investimento, na área da indústria, vai poder segurar o emprego aqui em nosso país. Não estamos defendendo o fechamento da importação/exportação.
Mas também é necessário ter uma certa proteção em relação ao que é de interesse nacional. Os EUA falam em liberalismo, livre concorrência, mas são extremamente protecionistas.
Essa entrada de produtos com IPIs reduzidos na entrada dos portos acabavam prejudicando aquilo que é produzido aqui. Então eu vejo que o governo tem tomado medidas em relação ao IPI, ao investimento, na área da indústria, vai poder segurar o emprego aqui em nosso país. Não estamos defendendo o fechamento da importação/exportação.
Mas também é necessário ter uma certa proteção em relação ao que é de interesse nacional. Os EUA falam em liberalismo, livre concorrência, mas são extremamente protecionistas.
Você
acredita que, no caso do Brasil, se faz necessário ter um projeto nacional,
para além de medidas conjunturais, como essas para a indústria, mas que
contemple os amplos setores da sociedade e garanta direitos fundamentais como
saúde, educação, moradia etc.?
Eu creio que nós
estamos caminhando para isso. Essas experiências de busca de unidade de ação,
elas têm levado a um amadurecimento para esse debate. O governo tem criado
canais de debate sobre isso. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social é um deles.
Mas parece que as coisas não andam. Eu creio que nosso país, por ter dimensão de um continente, interesses estaduais, interesses empresariais, às vezes a gente leva a um debate não nacional, um debate meio fragmentado, por regiões. E, às vezes, federações de empresários do RJ, de MG, acabam não compondo propostas unitárias. Esse debate é urgente. Devemos aproveitar que lá fora eles estão em crise, para aproveitar para um debate maior, visando fortalecer a educação, qualificação profissional, investimentos em infraestrutura, para dar um salto de qualidade.
Mas parece que as coisas não andam. Eu creio que nosso país, por ter dimensão de um continente, interesses estaduais, interesses empresariais, às vezes a gente leva a um debate não nacional, um debate meio fragmentado, por regiões. E, às vezes, federações de empresários do RJ, de MG, acabam não compondo propostas unitárias. Esse debate é urgente. Devemos aproveitar que lá fora eles estão em crise, para aproveitar para um debate maior, visando fortalecer a educação, qualificação profissional, investimentos em infraestrutura, para dar um salto de qualidade.
Ao
seu ver, a classe trabalhadora tem tido elevação no nível de consciência
política para se inserir neste grande processo de transformações necessárias no
país?
Você bate numa tecla
importante para nós. Mas eu vejo melhorias na questão econômica, em questões
sociais. Mas, na hora do voto, a gente patina. Por exemplo, numa cidade como
São Paulo, a gente está patinando no debate eleitoral. Mas, no conjunto, nós
perdemos algumas coisas importantes e que se dá em função de alguns fatores que
poderiam ajudar. Por exemplo, nós não temos uma imprensa que possa fazer esse
debate com os trabalhadores. Os trabalhadores e a sociedade em geral estão nas
mãos de uma visão que se traduz nos jornais e telejornais diariamente. Essa
visão não valoriza esse debate, a consciência ideológica do lado do
trabalhador. A notícia é na ótica de quem interessa. Então falta esse
instrumento. Os sindicatos, através dos seus jornais, poderiam cumprir esse
papel. Por exemplo, aqui em São Paulo, nós tiramos 500 mil jornais – um jornal
unitário das centrais sindicais Força Sindical, Nova Central e UGT – e estamos
na segunda edição. É uma experiência que nós podemos traduzir para ajudar a
elevar o nível de consciência dos trabalhadores.
Falta um trabalho mais
efetivo, de base, com os trabalhadores. Qualificar os nossos dirigentes para um
trabalho mais efetivo e ideológico dessa questão. Faltam criar instrumentos
unitários para tratar das questões de interesse da classe trabalhadora, rádios,
TVs, jornais, para dialogar para além das questões corporativas. Depois de 1989,
eu acho que nós estamos muito na defensiva sobre a questão ideológica. E a
ideologia dominante está aí na sua ofensiva.
Dado
recente aponta que 68% da população está endividada. Como você vê esse
endividamento da classe trabalhadora?
Pode ser um dado negativo,
mas também pode ser um dado positivo. No nosso país nós estamos facilitando o
crédito. Nos outros países é assim também. A nossa preocupação é que isso não
seja uma bolha ou um instrumento que vá levar as pessoas a um estouro de seus
créditos. O governo deve observar isso para para manter a situação controlada.
Mas eu acho que facilitar o crédito e reduzir juros com certeza são coisas
positivas.
Estamos
em ano de eleições municipais em todo o país. Como você tem visto o atual
processo eleitoral? Tem se debatido os principais problemas do povo?
Eu sinto que nas
capitais ainda se faz um debate mais generalizado. Mas eu creio que as eleições
municipais são importantes porque tratam daquilo que interessa em cada cidade.
Mas falta uma visão dos partidos no sentido de fazer coalizões que ajudassem a
eleições futuras, para governos estaduais e governo federal. As alianças às
vezes não levam em conta uma visão de mais longo prazo. Mas eu acho que as
eleições têm ajudado a melhorar o nível. Mas não será melhor enquanto não se
resolver os financiamentos de campanhas. E isso só com uma reforma política.
Fonte
Brasil de Fato- Nilton Viana
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