O carnaval que permeia as relações
sociais em Santa Rita do Sapucaí*
O presente artigo abordará a pesquisa
intitulada “Ride Palhaço, Mimosas Cravinas e Democrático: o espetáculo do
carnaval permeando as relações sociais em Santa Rita do Sapucaí-MG” que está
sendo desenvolvida como Iniciação Científica na Universidade do Vale do Sapucaí,
financiada pela FAPEMIG, sob a orientação da Professora Dra. Andrea
Domingues, do curso de História, sobre a folia momesca santa-ritense, suas memórias
e significados adquiridos ao longo desses anos.
A escolha do tema tem um significado
pessoal para esta pesquisadora. Desde muito nova, assistia aos desfiles dos
blocos Ride Palhaço e Democráticos da varanda da casa do meu avô, Benedito
Brasil Carli e, assim como minha família, acabei me tornando “Ride”. Mas por que estudar também o bloco dos
Democráticos se sempre vibrei com seu rival? É justamente essa rivalidade
latente entre os dois blocos que levavam famílias a pararem de se falar,
namorados se distanciarem durante a folia, e até brigas mais árduas que me
fizeram perceber, como historiadora, como o campo da cultura é conflituoso, e como
através do estudo da festa é possível compreender as relações sociais,
políticas e de poder estabelecidas no município.
Luiz Carlos Lemos Carneiro, rememorando
o desfile do bloco dos Democráticos, ao descer o morro do Zé da Silva,
refere-se à casa de meu avô: “Tudo
Ride, cê olhava pra cima, tava insultando nóis, ê [risos]. E o cê conhecia pelo
olhar sabe, cê olhava olhava pro cara não sei qual que tava pior, pro outro, cê
conhecia assim, cê olhava aquele sorriso desse tamanho na cara deles lá em uma
falava “caramba o bloco deles deve ta uma beleza”. Aquilo já abaixava a bola
sua um pouquinho, mas era muito interessante...” . Através da narrativa de Luiz Carlos podemos perceber como
era essa rivalidade que movia o festejo, levando a confecção dos carros
alegóricos e fantasias a serem escondidos, caracterizando o carnaval santa-ritense
como um dos melhores da região, atraindo foliões de diversas localidades.
A metodologia de análise deste
trabalhado é constituída por narrativas orais, fotografias e jornais que nos
possibilita perceber que os dois blocos, Ride Palhaço e Democráticos,
destinavam-se à elite santa-ritense, afinal participavam os que tinham
condições de arcar com as fantasias, desfiles, e até mesmo os que faziam doações
ao livro de ouro dos blocos. Dessa maneira, comecei a questionar e a levantar
questões, como por exemplo: onde estavam os demais sujeitos sociais? Aqueles
que não possuíam condições financeiras de arcar com os luxuosos desfiles, como
brincavam a folia do momo? Quais as outras memórias presentes no festejo
carnavalesco dessa cidade?
Foi através do contato com o corpus de
análise que me conduziu a uma nova problemática da pesquisa, o que me levou a questionamentos:
Como era a participação dos negros nessa sociedade branca? E dos brancos na
sociedade negra?
O fato
destes trabalhadores e trabalhadoras negros se
organizarem, montarem seu próprio bloco ainda na década de 20, é entendido por
esta pesquisadora como uma estratégia de sobrevivência de sua cultura
demonstrando que as relações em uma sociedade não se constituem de dominação
completa de um grupo sobre o outro.
A
Associação José do Patrocínio era sede dos bailes carnavalescos do Mimosas
Cravinas. O nome dado à associação faz alusão a um dos membros do movimento
abolicionista, que por sua vez remete ao ideal de liberdade. O período
pós-abolição foi marcado pela dificuldade da classe negra em se adaptar à nova
condição social. Agora livres, os descendentes de escravos necessitavam se
adequar à ordem social vigente no século XX.
O autor
Dias (2001), em seu livro memorialista, exalta que “pela honra da vila de Santa
Rita, a maioria optou por libertar seus escravos, em fins de 1885”. Contudo,
podemos perceber que embora a libertação tenha ocorrido três anos antes do
decreto responsável por abolir a escravatura, os negros ainda encontraram e
encontram dificuldades em conquistar o seu espaço na cidade de Santa Rita.
Dessa
maneira, a pesquisa apresentada propõe
dar visibilidade àqueles que muitas vezes apareciam pouco nos relatos oficiais,
buscando suas memórias, experiências,
inserindo emoções e sentimentos aos processos históricos dessa cidade, pois em
um olhar superficial somos conduzidos a acreditar que durante o carnaval as
estruturas sociais e suas diferenças são abolidas. Contudo, sabe-se que a forma
de brincar, seu espaço, fantasias utilizadas demonstram que a festa mantém
implícito seu caráter hierarquizante, sendo possível compreendê-la como
hermenêutica da sociedade.
No entanto, nossa proposta é ir
além, ou seja, estudar a festa de carnaval em Santa Rita do Sapucaí é
interpretar a festa não apenas como um simples ritual, mas analisar seus
costumes, suas práticas culturais e as identidades dos grupos que formavam os
blocos carnavalescos, realizando um olhar histórico e político, privilegiando a
festa em seu sentido mais amplo, como um local de lutas e políticas sociais,
utilizadas tanto pelo poder dominante quanto pelos populares.
*Trabalho apresentado no II Encontro de Pesquisadores de História Oral da UFMG, em 2013. Este trabalho será apresentado no “XVIII Congress: POWER AND DEMOCRACY: THE MANY VOICES OF ORAL HISTORY”, Barcelona, Espanha, em Julho de 2014.
**Paola Carli é historiadora
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